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terça-feira, 14 de março de 2023

4

 

todo mundo dói

e dói os pulsos

os dedos

as línguas

 

todo mundo se

esparrama

se deixa

se deleita

e eu não

 

todo mundo se afoga

se agarra

se enamora

e eu não

 

todo mundo é distante

é suspiro

é bebida

é cortante

 

todo mundo fere

sangra

acaricia

e eu não

 

 

 

sexta-feira, 10 de março de 2023

3

 

quando eu me tornar pó

de estrela, ou cheiro de

gasolina, e meu nome

for uma memória, uma

dessas relíquias, sei que

pendurarão minha

presença perto de todas

as demais amarguras.

 

e olharão meu defeito

minha voz e sua

aspereza de longe,

enfeitando até a frieza

com qualquer cor menos

opaca.

 

e sinto que

permanecerei olhando

apático o que não me fez

nem faz: sequer

abraçarei minha alma

contudo que ainda

sendo ele se meus

dedos tiverem tato, darei

carinho perpétuo porque

não me pude fazer isso

por aqui. e me darei

colo, cantarei qualquer

melodia de sono.

 

não perguntarei, nada é

resposta. quando voltar

às raízes, tomarei meu

tempo e sendo só meu

não terei medo de me

olhar porque só me

caberá a mim possuir

minha infinitude.

estar ainda é um mérito.

 

2

 meu olho está viciado

em olhar só para fora

só ver carne só ver pólvora

tudo turvo e enviesado

 

eu que me olho com repulsa

aparando o quanto dá de minh’alma

vestindo menos roupa e mais trauma

meu olhar quando abre pulsa

 

curvado para baixo e adoentado

só preserva luz se for de fósforo

o clarão no escuro nunca é próspero

porque até a faísca tem som abafado

 

eu inteiro todo rabiscado

desejo que morra até olhar para dentro

eu vivendo pelo meu próprio centro

agarrado por mim mesmo abraçado 

1

 

laudo: esperando

e esperando parece

água morna

uma certa fresta da

porta

pela qual se vê a

rua. esperando

cozido como se

cozem ovos

brandos; os bancos

das praças dizendo

suas notícias e;

esperando: de tanto

morrer tornou-se

pontiagudo,

apontado para o

mais profundo de si:

esperando como

quem desespera e

transpira as águas

da própria salmoura

esperando

morrendo aos poucos

esperando coo

que fosse um poço

esperando a luz dos

dias

de espera em

espera foi

encrostando uma

casca de fatídicos

todos os dísticos do

mundo ainda

omitem

que esperando se

morre muitas vezes

mais